sábado, 13 de junho de 2009

A despedida

Era pouco mais de meio dia. Fazia calor e eu havia desistido de vestir algo além de uma bermuda. A campainha tocou, era Beth. Segurando uma latinha de coca-cola, abri a porta.
-Olá - Ela falou meio triste, um pouco entretida com o nosso cachorro amarrado na coleira que ela segurava. Beth tinha olhos castanhos bastante expressivos, eu adorava fotografá-los. E eram eles que me diziam um “adeus” enquanto a boca soltava um “olá”.
Deu um gole na minha coca, um selinho breve e entrou no apartamento.
Eu esperava vê-la cabisbaixa, usando um jeans, camiseta e havaianas, os cabelos presos de qualquer jeito e uma mochila jogada nas costas. Mas estava linda, com um vestido florido (aquele, que comprou exclusivamente pra ir a um show comigo) e sandálias de amarrar. Os cabelos estavam presos, mas não de qualquer jeito. A bolsa de pano era linda, cheia de fitas coloridas caindo. Trazia Fox na coleira e ele parecia bem a vontade, mesmo usando uma camiseta de bolinhas... Estranho, não me lembro de ter reparado em tantas coisas nela antes.
Ela soltou Fox e foi pra cozinha, se serviu de uma lata de refrigerante. Eu fiquei na sala, acariciando Fox e tirando a coleira. Ela voltou e sentou-se na poltrona, e eu no sofá.
Parecíamos duas crianças. Um ano e dois meses, cinco meses morando juntos, divididos entre tapas e beijos, desavenças, crises. No meio de umas dessas, inclusive, ganhamos o Fox de um amigo. Era um labrador e daria o maior prejuízo quando crescesse e precisasse de espaço, e nosso apartamento era pequeno. Mas Beth nunca deixava-o se sentir triste, nunca deixava que lhe faltasse nada, de comida à amor. Fox chegou a dormir em nossa cama nos primeiros dias e ainda faz isso quando as chuvas trazem relâmpagos e trovões. O bicho parece um adolescente que não cabe mais na cama dos pais, e que não encontra segurança e conforto em outro lugar senão ao lado da mãe. Por essas e outras, e apesar de ter sido um presente pra mim, estava estampado no focinho dele que preferia a Beth; só me restava aceitar.
Eu não sabia exatamente o que ia acontecer, e percebi que Beth também estava muito calada, olhando pro nada. Fox pulou no colo dela, fazendo-a sair do transe. Eu estava tenso, havíamos brigado por uma besteira, algo que podíamos resolver depois de uma conversa, como sempre acontecia. Mas Beth estava com cara de quem não queria resolver nada. Ou talvez quisesse.
-Me diz o que você tá pensando – Eu não agüentava mais o silêncio e interrompi dessa forma.
Ela respirou fundo, como quem estivesse se livrando de um peso.
-Eu preciso de um tempo.
“Por quê? Sou um péssimo namorado? Não sou fiel ou bom o suficiente pra você? Tudo bem que não tenho sido dos mais atenciosos e companheiros nos últimos tempos, mas realmente preciso de um choque desses pra me corrigir? Eu respeito sua decisão, Beth, mas me diga o que posso fazer!”
Eu pensei em quinhentas mil coisas diferentes pra perguntar. Ao invés disso decidi deixá-la em silêncio. Levantei e fui pra janela. Talvez a minha recusa por seguir manuais e fazer "o que todo namorado faz" (como ela me falava) não havia sido a melhor coisa pra ela. Beth sentia falta do que a gente não fazia, do que a gente não vivia, do que eu me recusava a fazer e viver. E principalmente sentia falta de sentir-se minha namorada. Eu sabia o que faltava, só não sabia como suprir. Eu sabia que ela odiava quando eu sumia e depois aparecia dizendo que tava com saudade, quando eu me calava olhando-a sério por algum tempo, quando eu tinha ataques de grosseria momentâneos e não pedia desculpas deixando-a triste e sem saber o que fazer, quando a desarmava com um olhar carente, quando a contrariava, quando me defendia numa briga que ela acreditava estar absolutamente certa. Beth não agüentava mais isso e seu cansaço estava impresso nas suas olheiras. Só me restou o silêncio...
Ela levantou e foi pro nosso quarto. Quando voltou trazia uma mala com algumas roupas. Eu entendi tudo e coloquei a coleira em Fox; com certeza ele não ia querer ficar comigo.
-Você precisa de carona? – Eu perguntei.
-Não, meu pai está vindo me buscar.
Eu desci junto com ela e ficamos esperando por ele na porta do prédio com a mala e com Fox. Ao longe a caminhonete do pai dela já aparecia. Ela me beijou. Aliás, havia sido assim nos últimos meses; ela me beijava, me procurava, me cobrava, me ligava, me amava... Ela, ela, ela. Sempre ela! Mesmo eu tendo sempre deixado bem claro o quanto a amava e a respeitava (e de fato, eu o fazia), eu sentia que faltavam mínimas coisas que por vezes valiam mais que isso. Acho que Beth estava cansada disso também.
E em silêncio, céus, só eu sei o quanto ela detesta meu silêncio!
E em silêncio deixei meu amor ir embora.

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